Discurso de transmissão de cargo

Discurso de transmissão de cargo

Luiz Ricardo Gomes Aranha

Não obstante, alguns homens transformam todo atributo ou arte num meio para ganhar dinheiro; concebem isso como se fosse a finalidade, e todas as coisas devessem contribuir para a sua promoção” Em Aristóteles, Política Livro I.

Faz três anos desde a data de meu discurso de posse. Naquela hora escolhi um tema que assustou alguns, já sabia que assustaria, esperavam algo acadêmico , exortativo, grandiloquente . Tratei de dizer que minha gestão seria um catecismo contra a ignorância, a incompetência, a má fé, e divaguei até sobre a burrice endêmica, inventando a expressão burreza para qualificar pessoas que, em sendo burras, são dinâmicas, fazem ou tentam fazer, e mais atrapalham que ajudam, muitas vezes impedem a ação dos competentes. Tem gente importante, lá no topo da hierarquia nacional, merecedora do apodo de “burreza”, provando meu discurso de posse.

Achava, e continuo achando, que o Instituto dos Advogados, em todas as suas ações e promoções, poderia e deveria cultuar a obra dos inteligentes, a dinâmica dos competentes , a bandeira dos éticos.

Assim o fizemos. Pelo menos em todas as atividades, projetos, obras e manifestações, fizemos questão de altear, como bandeira de firme escora, a luta contra a ignorância, o ódio à incompetência, o culto ao melhor estudo do direito. Percebemos a obviedade de que o Brasil , por causa de uma revolução que já vai distante e por arrancada populista e demagógica que se fez presente, ainda que por motivos diferentes, desprezou a intelectualidade ao ponto de elogiar, em extremo de imbecilidade, a pureza entrópica e eutrófila dos analfabetos. Tirante a aparente grosseria da exaltação negativa da ignorância, as ideias que permeiam, a mil, lembram o iluminado momento histórico dos iluministas . Destaco Voltaire, porque o símbolo do iluminismo lógico, racional, e Rousseaux o inspirador do iluminismo apaixonado. A obra de ambos revela a eterna dissociação de ideias e comportamentos, as primeiras sempre se alteando, quando a alma não é pobre. Nenhum dos dois terá sido exemplo de suas próprias convicções, mas ficaram eternos.  Ultrapassou-se, nos pensares filosóficos, o movimento exaltado do século XVIII. Ficou escrito, para a eternidade, a reflexão sobre os valores naturais, a grandiosidade do homem enquanto agente da natureza. Sempre melhor que a pintura de si mesmo.  Percebeu-se, ao fim, que o homem não nasce nem bom nem mau. Nasce espécie dotada de qualidades especiais , com vetores internos , externos, genéticos e adquiridos do bem e do mal . Com raríssimas exceções, tratadas nos consultórios, o homem se faz. Se a natureza lhe é modesta em dons de berço, nada resistirá a seu esforço pessoal, denodado, pulsante no caminho da reta realização pessoal, no alcance da alegria felicitária que jorra do aprimoramento cultural. Se, ao contrário, se os genes demarcam maioria de heranças benfazejas, perder-se-á o tesouro de berço se a família, a escola e a sociedade, prostitutas quando querem, prostituirem. Anoto, registro, assinalo, pontuo. Educação e cultura são esforços pessoais a que o bom governo se obriga a solidarizar e financiar, por certo estimulando o trabalho , execrando o ócio. A geração de analfabetos que come de graça, sem educação, fará da próxima geração o valhacouto epidêmico e irreversível dos delinquentes , no poder, com o poder, e pelo poder.

Fiz questão de impor a todos os meus editorais no Jornal do Instituto, o lembrete “PAÍS SEM EDUCAÇÃO JAMAIS SERÁ GRANDE E NAÇÃO”.

Este discurso é um memorial ao coração de todos e ao meu próprio, embalado pela virtude única da velhice, que faz perdoar excessos e , algumas vezes, transfunde experiência, emoção de coisas bem vividas , um mínimo de sabedoria cimentada com a experiência dos aniversários . Não faço aqui, prestação de contas, não narro conquistas nem conto vantagens . Tais chatices já se escreveram em documentos oficiais . Orgulho-me, porque atrelado a meu mote inseparável de gestão, das parcerias continuadas ou inauguradas: Imprensa Oficial, Tribunal de Justiça, CEMIG, FIAT, Associação Comercial, OAB, BDMG, Academia Mineira de Letras, Faculdade de Direito da UFMG, Faculdade Milton Campos, Instituto Notorium, Jornais Estado de Minas, Hoje em Dia e Diário do Comercio e outras tantos, inclusive, nos dias recentes, pelo denodo de Jorge Ferreira, convênio cultural com a Universidade de Coimbra. Orgulho-me dos esforços de nossa Diretoria Executiva, e a ela integro, por verdade e direito, as ações de José de Anchieta, Aristóteles Atheniense, Odilon Souza, e as de Nilson Reis meu sucessor, dirigidos à obtenção da nova sede, reivindicando para nossa gestão os trabalhos de engenharia política na versão final e os provimentos formais que, escorados na generosidade do Governador Anastasia, das Secretarias Coeli e Vilhena e da Diretora Maria Celeste, permitiriam a cessão do andar no Edifício Mirafiori, cuja ocupação está em curso.

Concluímos o cadastro geral de associados permitindo, neste último exercício, redução significativa nos vetores de inadimplência. Ampliamos Diretorias e Núcleos Departamentais . Efetivamos, com o direto e autoral desígnio da Seccional de Uberaba, o Oitavo Congresso Nacional de Direito Processual, assim com realizamos, participamos e prestigiamos dezenas de Encontros e conclaves similares, destacando, por Justiça, o trabalho do já mencionado Colega Jorge Ferreira, de Ipatinga, que, em dinâmica administração, realizou inúmeros eventos que provam a validade da iniciativa de interiorização praticada desde a administração do Saudoso Fernando Ribeiro de Oliveira. Mantivemos, sob a batuta exemplar do Ricardo Fiuza, e ordenação eficiente de Faria Beraldo, as notáveis edições da Revista do Instituto assim como mantivemos, sem interrupção, o nosso Jornal Informativo, onde escrevi um Editorial em cada número.

Participamos, contribuindo em alguns casos, com modéstia, mas com honra, não só financeiramente, mas com trabalhos escritos, de eventos tais com a comemoração do aniversário do Manifesto dos Mineiros. Promovemos altos estudos e lançamos sugestões para o problema dos royalties do petróleo, da chamada lei anticorrupção, dos marcos de Mineralogia, aqui destacando as iniciativas exponenciais do colega e especialista Dr. William Freire. Ponderamos, discutimos, escrevemos e sugerimos temas de relevo relativos ao Projeto do Novo Código de Processo Civil, O mesmo fizemos na redação do novo Regimento Interno do Tribunal de Justiça. Em muitos casos tivemos sucesso e eficácia, sendo de justiça registar o trabalho denodado do nosso eterno Presidente Anchieta.  Patrocinamos ou participamos de diversos trabalhos sobre o aprimoramento do sistema de arbitragens.

Efetivamos um em cada ano, o tradicional evento de outorga das medalhas do Instituto às personalidades que se destacaram, ano a ano, nas várias áreas de exercício do direito. Concedi-me, e ao Departamento de Fazer Justiça, a honra de iniciar gestão com especial homenagem à memoria de Lydio Bandeira de Mello, notável jurista do direito criminal, professor e filósofo, organizada com competência e carinho pelo Diretor Luciano Lopes. Criamos departamentos, buscando evoluir nosso painel de responsabilidades no sentido das novas exigências do direito.

Permito-me destacar, também, como exemplo de evento bem sucedido e muito prestigiado, mais uma edição do nosso “Causos e Causídicos”, encimada, em fim de mandato, com a tertúlia incomparável que representou, na Academia Mineira de Letras, o episódio capitaneado pelas inteligências de Ronaldo Costa Couto e Olavo Romano.

Tivemos, a Diretoria, a fortuna de conviver com o ano de nosso centenário. Uma comemoração da espécie, por si só, é realização notável. Cem anos não são poucos dias. São espaços de pelo menos três gerações . Confiamos, porque tínhamos a certeza do sucesso, ao colega de notáveis mecenatos, Dr. José de Anchieta, a Coordenação do Evento.

São cem anos de presença constante no direito das Minas Gerais, na sociedade cultural de nosso Estado, mantendo uma entidade largamente prestigiada, e há muitos anos, no cenário nacional. Políticos da melhor escola que foram juristas de alva expressão, Mendes Pimentel, Afonso Pena, Caio Mário, Raul Machado Horta, Pedro Aleixo, Milton Campos, Darcy Bessone, Cunha Peixoto. Túlio Marques Lopes, e muitos outros, e o mais novo nos braços de Deus, Adhemar Ferreira Maciel, cimentaram o Instituto e, ainda hoje, com seus retratos na memória e nos painéis, abençoam nossas realizações, aconselham nossos caminhos, homologam nossos acertos , criticam, ensinando, nossos erros.

Por bondade do Deus, acabei fazendo parte do centenário, por estar na Presidência quando da efeméride.  Seria mais justo que, nessa hora, fosse Presidente um daqueles maiores que já foram aos céus ou um destes de superior sabença que estão entre os vivos, em nossos quadros, molduras da honra memorial e da parede física.

Sem baraço e sem cutelo , animo , por hábito, o direito de ver , em redor, o que anda acontecendo.

Um discurso de passagem de cargo justifica, sempre, apropriação do momento político. Nosso Estatuto permite estas manifestações em casos excepcionais, E, nesta hora e neste tópico, estou falando de minha opinião, em ligação direta, muito íntima com meu coração de advogado. Penso que o Brasil perdeu, recentemente, a chance de começar seu processo de cura. Vínhamos, desde a colônia, alternando populismo com estadismo , competência com politiquice, ideais com interesses de pessoas ou grupos. A maturação da democracia é assim mesmo . A democracia, pelo menos ela, sobrevive , ainda que com pouquíssima cooperação dos governantes que se escalarem. No mais, sinto, sofro e proclamo a vitória continuada da opção mais terrível : prestigia-se a assistência social em detrimento do progresso, cavalga-se a mentira e atropela-se, em decorrência a verdade dos fatos. O que não é de ninguém porque é publico, e é de todos nós, assalta-se pela cobiça inescrupulosa. Corruptores e corruptos se organizam em clubes, serestas de esquina, partidos políticos, movimentos de quem não merece ter nada e tudo têm. Acho, sinceramente, que o verdadeiro trabalhador brasileiro, não anda contemplado. Proclamo, com toda segurança, que o Brasil se firmou e existe fraterno, amigável, companheiro, solidário, pelo esforço desta multidão de humildes que a sorte não premiou com a riqueza. Brasília não teria existido sem os candangos. Mas não teria existido, da mesma forma, sem Juscelino e sem Israel Pinheiro. Não se deu, naquela hora, nada de graça ao pobre migrante dos sertões. Ao contrário se lhe deu a chance de trabalhar, de sol a sol, ganhar mantença de si e da família, e fazer, com mãos de cal e suor a capital do Brasil. A maioria ficou pelo planalto, comprou casa, conseguiu trabalho e emprego novos, os candangos criaram filhos e muitos deles são hoje médicos, engenheiros, advogados, jornalistas, políticos do bem.   Isto é, honesta e efetivamente, combater a pobreza. Administrá-la, apenas , augurando que nela o pobre permaneça é, no mínimo falta de caridade cristã . É crueldade, é tortura .

De qualquer forma, na seara de justas apreensões nacionais, sobrevive, vigorosa, a esperança. Os advogados, desde seu símbolo maior, Sobral Pinto, souberam-na acalentar, sempre, com pertinácia, arrojo, teimosia, destemor. Em cada dia e cada hora, quando devolvemos um pouco de vida e um pouco de patrimônio , financeiro ou moral, a nossos clientes, estamos, no conjunto da obra , cavalgando, para viajar ao bem, a esperança coletiva.

Em história fabulosa, mas emblemática, conta a mitologia que Prometeu, se encorajou para enfrentar a ira de Zeus. Roubou dele, a fagulha da dignidade, reapropriou-se da esperança que o tirano maior negava aos homens e , espargindo-a com vigor dos justos, tudo devolveu à humanidade. Trata-se de uma história que não termina aí e nem começa nesta hora. Maldições, vinganças, astucias , furtos e roubos , chantagens mil, mal feitos de toda natureza entram em cena. Vence o bem, Prometeu paga com próprio fígado sendo devorado, aos poucos pela águia, preso às correntes da montanha. Mas, como bom advogado de si mesmo , nosso herói assusta o tirano , e por artes que se desconhecem , coloca o mais poderoso com medo . E é libertado por Hercules . É uma saga . Que nos ensina , na fabulação que a vida reconstrói , que o bem sempre tem forças para subjugar, um dia, o mal . Por ora, Zeus impera, indômito e voraz. Sem esperança, o povo sofre, Os Prometeus advogados do Brasil haverão de repetir em cívica luta, nos limites da democracia, duramente conquistada , a sua luta, aquela que cada um de nós prometeu lutar quando se formou .

Cada dia , a legislação autocrata mata ou machuca um pedaço de nossa liberdade. Façamos reação. Democrática, cidadã , em que o único quartel será o argumento dos justos. O Instituto dos Advogados de Minas Gerais, e eu o proclamo como vitória de gestão, alteou, sempre, por todos os meios ao dispor, a sua indignação. Com Nilson Reis e sua equipe, continuará assim. E como as eleições garantiram a continuidade da obra maior de Anchieta , posso , quase que repetindo os meus , citar agradecimentos ao trabalho dos que permanecem. Sou profundamente agradecido, até porque lhes devo o bondoso exercício da paciência comigo, ao inestimável trabalho de Nilson Reis , Vice Presidente, Felipe Martins e Jean Carlos Fernandes, Secretários , Bruno Cesar e Gustavo Castro, Tesoureiros. O dever de gratidão exige realce especial ao trabalho do Prof. Dr. Bruno Rocha Cesar Fernandes, meu jovem colega de escritório, que, junto com Gustavo Castro exerceu, com sacrifício pessoal enorme, de que sou devedor e testemunha, a mais difícil das tarefas: – administrar as finanças sem dinheiros. Com sucesso de números e honradez de atitudes. Um especial agradecimento aos que, na gestão, nos serviram administrativamente : Zacarias, Debora , Maria do Carmo e a sempre doce e eficiente Aryelle. Fiz tudo que minhas forças permitiram fazer. O tudo, muitas vezes, parece pouco para os que estão ao redor . Para quem o obra, com honestidade, esforço, dedicação, sinceridade de propósitos, é, mesmo e, todavia, o tudo de sua alma devotada às suas causas.  Tempos melhores virão, Se não vierem, aos advogados não se poderá imputar culpa. Continuo tendo muito orgulho de ter querido ser, ter sido e continuar sendo advogado. É meu troféu . A todos enfim, que me suportaram com elegância, muitíssimo obrigado.

Encerro contando que aprendi, com Nilson Reis, a lição frutuosa de bela fábula europeia , segundo a qual , dando-se as mãos , a força da fraternidade derruba montanhas. Acrescento, por glosa que faço sem receios : – os mais fraternos da comunidade começam as melhores obras. Entre eles, entretanto, só estarão, ao fim, de braço com os realizadores, aqueles que forem, efetivamente, seus amigos . A amizade é o único patrimônio que não se compra nem se vende. Eu ganhei muitas amizades no Instituto. Graças a Deus. Muito Obrigado.

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