O Divino Magistrado

O Divino Magistrado. Entre o pavão e o galo – IAMG

Certo dia o galo, do alto do seu poleiro, resolveu saltar as cercas do galinheiro, esforço que gerou um semi voo! Foi marcar reunião com o pavão. A pomposa, nobre e sublime ave, mediadora do terreiro. Fosse outra a espécie essa seria missão intimidadora, mas aquele jovem galináceo, por sua natureza, era combativo e não se atemorizava facilmente. Mais que isso, adorava desafios. O tema da estimada prosa decorrera de um recente conflito com os marrecos. Assim, partiu ao encontro da ave mais nobre da fazenda pensando: “Que aparência e atitude airosa, típicas dos grandes e sábios, devo me preparar para estar à altura dessa conversa”.

Ligeirinho, como ele só, chegou rapidamente ao pavão. Mal verberou o bom dia, foi interrompido por voz grave, arrogante: “Fale primeiro com o pato”! Um pouco decepcionado, pois sequer teve a chance de bem se apresentar, o jovem galo correu ao pato a fim de saber o que fazer para despachar com o pavão. Ao chegar à beira do rio já ouviu o grito de “além d’água”: “Espere sua vez, pois há muito serviço na frente”!

Sem entender, replicou: “Tô aqui a mando do pavão”, imaginando que assim seria mais prestigiado. Acertou. Bem pensado, o vetusto assessor sempre incumbido de fazer a triagem daqueles que poderiam arrazoar com a chefia, ficara sem opção. Deixando o que estava fazendo correu, já perguntando em que podia ser útil. Estava precisando agendar uma conversa com o pavão, lhe disse o galo, mas não poderia demorar porque tinha que retornar ao galinheiro antes que o fazendeiro regressasse da cidade.

Conversa vai conversa vem, o galinho bom de argumento dobrou o pato e lhe foi agendada a fala com o pavão depois do banho de sol da nobre ave: “Antes disso, nem pensar”, profetizou o pato. E, horas depois, chegou o momento tão esperado. Ia finalmente conhecer aquele ser admirável, com leque caudal de brilho ofuscante e cores vivas, aquele que fazia o galo ter vontade da reencarnação lhe ser mais gentil e não o desprestigiar com corpo tão prosaico. Iniciado o diálogo pelo pavão, lhe foi indagado qual a razão do despacho e pedido brevidade. O galo fez seu requerimento, não sem antes tentar alocar bem os seus motivos, tudo com muita dificuldade, pois quando o pavão dava atenção, era em sonoros: “humrum, deixe por escrito que vou analisar e o pato publica a decisão”. Quando teoricamente terminou sua missão, despediu-se decepcionado com aquela figura exacerbadamente protocolar, até burocrática. Ao chegar à porta, não suportando o engasgo e a frustração da experiência, retornou ponderando com voz firme e sem dar oportunidade de ser interrompido: “Bom pavão, escute antes de negar ou falar que vai pensar e depois mandar pato, ganso, ou qualquer outra ave desse seu terreiro me comunicar. Vim aqui pensando que ia tratar com um sábio, um nobre em aparência e em atitude, mas tenho que expressar minha decepção.

Em nome daqueles que represento deixo minha admiração de lado e falo que V. Excelência (falou em tom de ironia) além de não me dar o devido respeito, sequer ouviu o que eu tinha a dizer. Saia desse pedestal onipotente e me honre com seu dever, ouça-me! Cada um de nos desempenha digna função. Se um falhar a fazenda desanda”. Resultado: o galo foi preso por desacato!

O Galinheiro, repleto, observou tudo. Revoltados com a situação, seus coirmãos, encabeçados pelo maior galo de briga da região, imitaram o fantástico pulo voo e fizeram a maior rebelião, libertando o jovem líder e companheiro. Após a revolução retornaram para casa e tudo parecia um pouco mudado. Foi então que algo inesperado aconteceu!

O galo se deu conta de surpreendente ocorrido: o pavão na porta do galinheiro! Queria uma audiência com o pequeno e poderoso chefe local, ele. De pronto, o mandou entrar. Chamou duas galinhas e pediu que fosse servido o melhor milho. Esperou o pavão objurgar, requerer e, depois de ouvi-lo atentamente, ponderou colocando contra argumentos! Nova rodada de diálogos, passado o momento de posição e oposição, enfim, a composição. Sai dali o pavão, sem conseguir tudo que queria, mas satisfeito. Fica o galo, feliz ao poder contribuir para o bem geral, orgulhoso do senso de justiça que norteou o colóquio. Foi então que o dever lhe chamou: chegara a hora de cumprir a sua diária missão matinal, hora de cocoricar: cocoricooooooooooooo…. O galo acordou, belo sonho, mas pavão não frequenta um humilde galinheiro!

Mutatis mutandis, pensando enquanto galo, um advogado poderia ter igual visão. Sonhar que certo dia aquele juiz que não o atendeu, ou mal atendeu, chegou ao seu escritório no animo de despachar para fins de explicar e resolver imbróglio jurídico cujo interesse era patrocinado pelo defensor. De certo seria recebido. Certamente seria ouvido, não apenas escutado. E, mais importante, certamente o problema caminharia a passos largos no destino à sua solução.

É de bom tom receber as visitas com cortesia. Nas Cortes onde a Justiça reside é obrigação do anfitrião receber os seus hóspedes com a devida atenção, isso é respeito.

O pensamento aqui expendido não é apenas crítico, mas, principalmente, elogio e reconhecimento àqueles magistrados que fazem de seus gabinetes, na medida do possível, escritórios onde o bom direito pode ser discutido para que as contendas tenham justos e céleres remates. Sem diálogo o direito não caminha, segue mancando. Por outro lado, o texto também pode ecoar como o som de engasgados, tal qual o galo!  Manifesto contra uma Justiça burocrática e arrogante que também se vê, INFELIZMENTE. Noutras palavras, repetindo a sábia lição da Ministra Eliana Calmon: “É preciso acabar com essa doença que é a ‘juizite’”.
Bruno Rocha Cesar Fernandes – Diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Sócio do Escritório LRG ARANHA Advogados Associados

Artigo publicado no caderno Direito & Justiça do jornal Estado de Minas, edição de 7 de novembro de 2011.

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